Trade Dress: o ‘look and feel’ do negócio
Provavelmente, você sabe o que é trade dress porque você já convive com ele. Não, miga, não tem nada a ver com o mercado de vestidos, mas sim com um assunto jurídico de extrema importância para um negócio.
Quer um exemplo? Então, sabe aquele momento em que você vai a uma loja, e, de longe, percebe que na prateleira está o produto que você já conhece e em que você confia? Assim, pela percepção de cores, formatação da embalagem, cheiros, tipos de fontes ou outros elementos, você pode identificar a origem daquele produto ou serviço. Nesse contexto, muitas vezes, para que esse reconhecimento ocorra, não é necessário sequer ler o nome da marca.
Logo, fica evidente que a soma dessas características visuais/sensoriais individualizadoras compõem o que chamamos de trade dress. Vamos falar mais a respeito?
Conceito de Trade Dress
Inicialmente, sobre o conceito, é importante destacar que trade dress é um termo americano, porém, está muito presente no cenário jurídico brasileiro. Nesse sentido, alguns autores traduzem o trade dress como “conjunto imagem” ou apresentação visual. Seguindo esta lógica, trata-se da união de elementos visuais e sensoriais diferenciadores de produtos, serviços ou estabelecimentos comerciais, trazendo identificação frente ao mercado consumidor.
Portanto, podemos citar combinação de cores, texturas, formatos exclusivos de embalagens, sons, paladares, cheiros, ou seja, o layout e todas as infinitas características que tornam um produto/serviço/estabelecimento único e peculiar.
Com relação a isso, segundo o advogado José Carlos Tinoco Soares, o trade dress é:
“a imagem total do negócio; num sentido bem geral é o ‘look and feel’, isto é, o ver e o sentir do negócio”. [1]
Assim, forma-se um verdadeiro elo entre produto e consumidor.
É inegável, desta forma, que um trade dress bem alinhado dá origem a marcas icônicas, com o poder de se tornarem mundialmente conhecidas.
Como exemplo, no ramo gastronômico, temos o Outback e McDonald’s. Amplamente reconhecidos e admirados, fazem com que os consumidores notem sua presença em qualquer lugar, sem esforço. Outra marca bem legal de se mencionar é a Melissa, referência em calçados de plástico, que utiliza fragrância singular em seus produtos e lojas, tornando-a diferente das demais. (ah, se esse post tivesse cheiro…)
Proteção do “conjunto imagem”
Em segundo lugar, é preciso falar sobre segurança. Para que ocorra proteção por meio do trade dress, o produto/serviço/estabelecimento comercial deverá reunir aspectos formalmente diferenciadores. Assim, ele promoverá singularidade e exclusividade.
Frequentemente, empresas concorrentes se aproveitam de determinados atributos de trade dress criados por outras, utilizando artifícios com a intenção de enganar o consumidor. Quando um terceiro imita as características de produto, serviço ou estabelecimento comercial, se configura o que chamamos de concorrência desleal.
Como exemplo, temos concorrência desleal quando existe utilização de meios desonestos e fraudulentos para influenciar a clientela da concorrência a comprar um produto, imaginando, na realidade, ser outro.
O case Biotônico Fontoura X Bioforzan
Em meio a isso, muito se comenta sobre o caso do Biotônico Fontoura, objeto de grande conflito judicial. O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu, nos autos do processo nº 1025574-72.2018.8.26.0100 (que ainda está em andamento), que a marca Bioforzan imitou o trade dress da marca Biotônico Fontoura. Veja:
Ao analisar a imagem, podemos constatar que as embalagens são semelhantes e possuem o mesmo líquido de coloração escura no interior. Ainda, fica evidente também a identidade nas cores, no rótulo na vertical e na escrita.
Em outras palavras: a empresa titular da Bioforzan se apropriou do trade dress do produto Biotônico Fontoura. Como consequência, isto enseja possibilidade de confusão entre os produtos, ou associação indevida entre as marcas perante os consumidores. Dessa forma, fica óbvio que as pessoas poderão confundir os produtos no mercado, consumindo um, imaginando ser outro. É notório que isto é desagradável para a marca Biotônico Fontoura, tendo em vista que a mesma trabalhou por anos para ter seu produto reconhecido na sociedade.
O case Maizena x Alisena
Você já ouviu falar do produto capilar Alisena?
Por algum momento você imaginou que a empresa que comercializa o amido de milho Maizena, poderia estar investindo no ramo de cosméticos? Na realidade, isto não ocorreu. Os produtos são fabricados por empresas diferentes. Inclusive, a estratégia de marketing deu origem a um embate judicial.
Sendo assim, a empresa Muriel Cosméticos (fabricante do produto Alisena) foi condenada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos do processo nº 1093251-56.2017.8.26.0100, a indenizar a Unilever (fabricante do produto Maizena), por apropriação de trade dress alheio.
Veja a imagem abaixo e tire suas próprias conclusões:
Como podemos ver, a empresa realmente tinha a intenção de promover associação entre os produtos.
Segundo o Acórdão, o produto Alisena reproduziu o conjunto-visual distintivo da marca de amido de milho Maizena. Apesar de os seguimentos de atuação no mercado serem completamente diferentes (alimentício e cosmético), nada impede que os consumidores imaginem que ambos os produtos pertençam à empresa Unilever.
Como sabemos, a centenária marca Maizena investiu grandes esforços financeiros e humanos para construir uma marca forte. Quando outra empresa se apropria de suas características identificadoras, ocorre, claramente, concorrência desleal.
Sendo assim, associação de produtos cosméticos a produtos comestíveis tem sido uma prática muito comum no mercado. Você conhece algum?
O case Camarões x Coco Bambu
Também houve conflito judicial entre as empresas Camarões e Coco Bambu, que se dedicam ao ramo alimentício. A famosa rede Coco Bambu foi condenada a cessar a utilização de qualquer marca, configuração ou estruturação similar à aparência do Camarões Restaurante, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, limitada a R$ 1 milhão.
Neste caso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, na Apelação Cível n° 2017.003523-2, reconheceu a prática de concorrência desleal. O motivo? A rede Coco Bambu explorava atividade comercial no ramo de gastronomia, reproduzindo desde o padrão de cardápios, pratos oferecidos, vestimentas de funcionários até o aspecto geral da estrutura física do restaurante pertencente à rede Camarões. Além disso, características do estilo arquitetônico como revestimentos, padrão do piso, iluminação, posição do balcão em relação às mesas e o posicionamento das mesas foram replicados.
“Não se trata de semelhanças superficiais, mas de cópias, ipsis literis dos pratos, com seus ingredientes, modo de preparo etc. No total foram encontrados mais de 40 pratos com descrição idêntica” , explanou a rede Camarões.
Assim, o Tribunal, na ocasião, entendeu que as semelhanças podiam confundir o consumidor, levando-o a acreditar que tais estabelecimentos pertenciam à mesma rede comercial.
Conclusão
E então, não falei que você já sabia o que é trade dress? Trata-se de todo o universo identificador de um produto/serviço/estabelecimento comercial. Em resumo, abrange de pequenos detalhes a características mais evidentes.
Infelizmente, existem inúmeras situações de concorrência desleal por apropriação indevida de trade dress alheio, inclusive, (cá pra nós) vive acontecendo com a Moving. Por isso, manter consciência sobre este assunto é muito importante.
Acima de tudo, respeitar o trabalho e o esforço do outro é sempre a melhor escolha. Explore a criatividade!
E aí, gostou de saber mais sobre isso? Então, conta aqui nos comentários que vamos adorar saber.
Notas:
[1] SOARES, José Carlos Tinoco. Concorrência Desleal Vs. Trade Dress ou Conjunto-Imagem. São Paulo: Edição Tinoco Soares, 2004.